Em 18 de dezembro de 2019, o plenário do Supremo Tribunal de Federal (STF) formou maioria (sete votos) para criminalizar o não pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devidamente declarado, desde que haja intenção de não pagar e que se trate de um devedor contumaz, caracterizando assim o crime de apropriação indébita, previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, com pena de detenção de até 02 (dois) anos.
Na situação dos autos os sócios e administradores de uma empresa declararam operações de venda ao Fisco, mas deixaram de recolher o ICMS relativamente a diversos períodos.
A tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal é que “o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990”.
Para os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia, se comprovado o dolo, a prática deve ser enquadrada como crime de apropriação indébita, uma vez que o empresário cobra o tributo do consumidor, mas deixa de fazer o repasse ao tesouro estadual.
O ponto central da discussão é a utilização dos termos “descontado” e “cobrado”. De acordo com ministro Roberto Barroso “tributo descontado, não há dúvidas, refere-se aos tributos diretos. Já a expressão “cobrado” abarcaria o contribuinte nos tributos indiretos. Portanto, cobrado significa o tributo que é acrescido ao preço da mercadoria, pago pelo consumidor — contribuinte de fato — ao comerciante, que deve recolhê-lo ao Fisco. O consumidor paga mais caro para que o comerciante recolha o tributo à Fazenda estadual.” O ministro salientou que o valor do ICMS cobrado em cada operação não integra o patrimônio do comerciante, que é depositário desse ingresso de caixa. Este entendimento já havia sido firmado no Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 574.706 (Tema 69 da repercussão geral) que julgou que o ICMS não integra o patrimônio do sujeito passivo e, consequentemente, não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins.
Há porem que se levar em consideração que muitas vezes os tributos cobrados não são efetivamente pagos pelo consumidor (ou pagos com atraso ou de forma parcelada) e mesmo assim, devidos pelo comerciante no vencimento do fato gerador. Nos parece que esta questão não foi levada em consideração.
Segundo o relator Ministro Luís Roberto Barroso, a tese não criminaliza a mera inadimplência do ICMS e sim a prática dos devedores contumazes, que prejudica os consumidores, o fisco e a concorrência
Em seu voto o ministro Roberto Barroso cita que o ICMS é o tributo mais sonegado e que é usado por muitas empresas como forma de vantagem competitiva desleal, pois enquanto algumas empresas deixam sistematicamente de recolher o tributo, outras que recolhem seus tributos corretamente se veem em situação de desvantagem.
O relator consignou que o dolo da apropriação deve ser apurado na instrução criminal, pelo juiz natural da causa, a partir de circunstâncias objetivas e factuais, tais como a inadimplência reiterada, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas”, a falta de tentativa de regularização de situação fiscal, o encerramento irregular de atividades com aberturas de outras empresas.
A decisão não tem efeito vinculante, o precedente deve servir de orientação para decisões das cortes de todo o país, ficando a critério de cada juiz determinar se a conduta incorre no crime de apropriação ou não.
No tocante às consequências do reconhecimento da tipicidade de apropriação indébita não é esperado que alguém seja efetivamente preso ao incorrer no não recolhimento de tributos. A pena prevista para o delito é baixa e passível de transação penal, suspensão condicional do processo e, em caso de condenação, substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direito. Além disso, faz se importante destacar que a quitação do valor apropriado indevidamente extingue a punibilidade.
A tese fixada abre precedente para que o mesmo entendimento também seja aplicado a outros tributos, como o ISS ou o IPI, já que ambos têm uma sistemática parecida com o ICMS, à medida que são destacados na nota fiscal, cobrados do consumidor final e repassado ao erário.
O nosso time de Tax Advisory permanece à disposição para mais informações acerca desse tema.