Reformas são excelentes oportunidades de solucionarmos problemas existentes. Esta deveria ser na verdade a premissa maior de uma reforma: o que não está funcionando bem que precisa ser solucionado, refeito, reorganizado. É assim quando decidimos reformar nossa casa.
Não deveria ser diferente para a reforma tributária. Neste particular, seria fundamental fazer uma análise profunda de quais são os principais desafios do sistema tributário adotado pelo Brasil e como podemos solucioná-los.
Para citar alguns desafios, temos atualmente uma alta complexidade das regras e falta de coesão entre diversas legislações tributárias e entes federativos, um grande número de exceções, e um excesso de obrigações acessórias. Tudo isso gera um alto custo tanto para o cumprimento das obrigações acessórias como para gerenciar o contencioso tributário. Sem falar na insegurança jurídica.
Não é à toa que o Brasil é um dos países mais complexos quando o assunto é cumprimento de obrigações tributárias. Em relatório produzido pelo Banco Mundial, o Brasil foi apontado como o país onde as empresas mais gastam tempo com a burocracia do sistema tributário, despendendo mais de 1.500 horas por ano no pagamento de impostos. Em segundo lugar está a Bolívia com 1.025 horas, enquanto na Argentina são despendidas 312 horas.
Porem, quando estudamos as propostas de reformas que temos atualmente, não nos parece que estes problemas estão sendo atacados.
O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, é a proposta que tramita na Câmara de autoria do Deputado Baleia Rossi e idealizada pelo economista Bernard Appy. Inclui o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS e a alíquota final estimada em 25%, sendo 9,2% para União, 13,8% para estados e 2,0% para municípios.
Falando em alíquota, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou recentemente estudo no qual aponta que o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) previsto na reforma tributária teria de ter uma alíquota de 27% para não reduzir nem aumentar a arrecadação. Isso colocaria o Brasil entre os países com maiores alíquotas de IVA no mundo, ao lado da Hungria, que tributa nesse mesmo valor, e acima da Noruega, Dinamarca e Suécia, com alíquotas de 25%.
De acordo com este projeto cada ente federativo fixa uma parcela da alíquota por meio de lei ordinária, federal, estadual, distrital ou municipal. Estaríamos falando, portanto, de 5.597 alíquotas (5.570 municípios + 27 Estados).
A regra de transição prevista é de 10 anos, ou seja, haveria um aumento com o custo da convivência de dois sistemas por um longo período.
E a ausência de extrafiscalidade e seletividade ampla, seja ela social, regional ou setorial nos faz acreditar que a carga tributária do pãozinho francês será a mesma que a do caviar, as empresas localizadas na Zona Franca de Manaus terão o mesmo custo tributário das empresas localizadas no Sudeste e a indústria de eletroeletrônicos passará a ser meros importadores.
A PEC 110/2019 de iniciativa do Senado Federal, tem por base a PEC 293/2004 de autoria do economista ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Os tributos incluídos seriam o IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS, IOF, CSLL, Salário-Educação, CIDECombustíveis.
A flexibilidade aos entes é reduzida, pois as alíquotas do IBS devem ser definidas em lei complementar e os percentuais de partilhas e vinculações estão quase todos fixados no texto constitucional. O que por um lado seria bom para os contribuintes, por outro, tende a não ganhar a simpatia dos Governadores e Prefeitos.
A PEC 110 autoriza a concessão de benefícios fiscais (por lei complementar) nas operações com alimentos, inclusive os destinados ao consumo animal; medicamentos; transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano; bens do ativo imobilizado; saneamento básico; e educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional. Prevê ainda a manutenção da Zona Franca de Manaus.
Tanto na PEC 110, quanto na 45, há um considerável aumento na carga tributária de serviços. Aluguel por exemplo que atualmente não há incidência de ISS ou de ICMS, passaria a ter um peso maior de 25% (ou 27% conforme o Ipea) no orçamento do brasileiro.
Ora, vejam que a união de alguns impostos em um único não necessariamente significa dizer que haverá uma redução da complexidade.
A proposta do governo, ainda não formalizada, não nos parece de forma alguma atacar os problemas atuais. De início, a reforma se restringiria a unificação do PIS e da Cofins. A sistemática cumulativa, que atualmente tem alíquota de 3,65% deixaria de existir e a alíquota estimada é de 11 a 12%. Em compensação os contribuintes poderão calcular créditos nas aquisições. Ocorre que os setores da economia que atualmente estão no regime cumulativo não possuem muitos créditos a serem deduzidos. Este é o caso do setor de serviços, que passará a ter uma carga tributária mais elevada. De acordo com a proposta do governo ainda o IPI seria mantido como imposto seletivo e o IOF teria funções regulatórias, definidas pelo Banco Central.
Assim, não devemos criar a expectativa de que a reforma tributária virá para simplificar ou reduzir o custo tributário. Fato é que são previstas alterações no sistema atual de tributação e as empresas precisam estar preparadas para enfrentar os desafios que continuarão crescentes.
¹A mais recente coleta de dados para o projeto foi concluída em 1º de maio de 2019 cobrindo para o ano calendário de 2018 (1 Janeiro, 2018- 31 de dezembro, 2018). Site: https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploretopics/paying-taxes